Outro dia, me disseram que amadureci muito em pouco tempo.
Logo agora que queria poder escolher nao ter amadurecido, fazer birra e conquistar o mundo com meu rosto corado e meus olhos cheios de lágrimas sofridas e forçadas.
Eu nem sei mais como é isso, e não to paciente o suficiente pra tentar me lembrar.
É que tem coisas demais na minha cabeça. E falta inspiração, falta vontade.
Eu tô me esforçando: vou até o fim.
E a gente só vai até o fim pra saber que o inferno também tem portas e janelas.É um processo.
Ontem me disseram que eu sou meiga.
Surpresa, nunca ninguém tinha me dito isso.
Aí, hoje decidi usar uma fantasia de meiguice e sorrir para estranhos pelo caminho.Desisti logo da brincadeira. Faz tempo que perdi minhas lentes cor-de-rosa e agora o mundo me parece pretobrancocinza.
Na verdade, não tava com muita paciência para gente estranha e sua embriaguês contagiante. Não tô com paciência, não quero brincar.
Logo eu, tão meiga!
Já escolhi colorir tudo outra vez, mas ainda não escolhi as cores.
É um processo.
Pois é.
E se preciso eu rezo
ou então faço macumba.
Ao diabo minh'alma empresto
que dispois nóis se assunta.
Isso só pra trazê pra perto
quem já tá perto dimais.
O capeta não conhece o certo
e eu, do que sou capaiz!
E por mais que eu tenha medo
dessa eterna parceria
mato e morro bem cedo
se você me amar um dia...
(Obs: eu ainda sei escrever certo.)
Cada desenho sobre a mesa
retas, pontos, setas, planos
não possuem a mesma beleza
dos planos que faço há anos.
Cada gomo do lado de fora
insinua a semente que 'tá' no centro.
Se a parede do seu prédio chora,
chora a pessoa que está la dentro?
Pois "deixa o menino chorar suas mágoas,
que o pobre está com a alminha dele
entalada na garganta!"
Aí, ele me perguntou se era sempre assim e eu nao soube responder. Mesmo sabendo que tudo irá se resolver, que em alguns dias você estará aqui, sentado naqueles degrauzinhos, contribuindo com a destruição da pintura das paredes.
Mesmo sabendo eu não soube responder.
Eu não quis.
Mas não importa quantas perguntas me façam, as coisas vão ser sempre assim. A gente pensa que é o fim, mas é só charminho. É confusão entre saudade e saudação.
É só você estar sempre perto, mesmo que longe, pra ter pra sempre um degrauzinho só seu no meu coração. E olha que pra sempre é muito tempo, tão muito que eu nem sei dizer.
E meu coração nem tem tantos degrauzinhos assim, de verdade.
Só não vai embora. Porque quando se vai embora, tudo muda. Não interessa quantas vezes você volta, se você for embora uma vez, você nunca mais será o mesmo. E eu gosto mesmo assim.
Assim mesmo.
Não vai não.
Ou me leva, que dai a gente pode encontrar muitos outros degrauzinhos e paredes com pintura descascando pelo mundo. E podemos levar todos os nossos amigos, porque assim será mais fácil encontrar: muita gente ajudando.
A gente pode levar todos os nossos amigos nos degrauzinhos do meu coração, nem precisa usar o seu. Deixa o seu pros novos amigos, eu acredito neles também. E pra não perder velhas amizades, eu te empresto o meu coração sempre que você quiser.
... eu te empresto!
Eu não quis responder, porque ele nao ia gostar de escutar essa história sobre corações e degrauzinhos, sobre gente que vai pro mesmo lugar.
Um tempo depois, o ônibus passou. Ele entrou e eu não. Ainda pude ver ele subindo os degraus e me acenando com um sorriso de leve, um sorriso... um sorriso de tchau.
Acho que ele foi mesmo embora.
A verdade é que nosso ônibus nunca será o mesmo, nós nunca iremos para o mesmo lugar. Nesse instante uma cigana surgiu, uma cigana surgiu querendo ler a linha do amor da minha mão.
Ela queria ler a linha do que sobrou.
Eu poderia fazer
voto de castidade
ao final de cada orgia
Eu poderia viver
de tédio e felicidade
sem nenhuma alegria
Eu poderia nao saber
do que se sabe à minha idade
e amadurecer um outro dia
Eu poderia morrer
e ter filhos nesta cidade
ou ficar pra titia
Eu poderia ser clichê,
te amar por piedade
e querer quem nunca imaginarias
Eu poderia só saber
que tal "volatilidade"
afasta qualquer companhia...
-E o combinado era que eu fizesse um pedido pra ela e ela, um pra mim.
-E funcionou?
-Em parte. O meu pedido se realizou, o dela eu não sei.
-Como não sabe?
-Eu só não sei. Se ela me contasse qual foi o pedido, ele nunca se realizaria. Prefiro não saber.
-Ah, então é assim que funciona? Não se pode contar...
-Acho que sim. E acho que é o menos importante. O que importa é essa luz que exala em lâmpadas. Esse mar que ela vê em copos d'água.